O Reinar na cruz
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 18 de nov. de 2022
- 6 min de leitura
A cena apresentada no Evangelho de hoje é a última de uma longa série escrita pelo evangelista Lucas, em que ele apresenta atitudes opostas para com Jesus e para com o Reino de Deus. Durante todo o ano litúrgico, fomos encontrando personagens, atitudes ou imagens que nos colocaram diante da escolha de qual caminho seguir para estar com Cristo: Marta e Maria, o rico insensato e o servo fiel e prudente, o filho mais novo e o filho mais velho, o homem rico e o administrador previdente, o rico e Lázaro, a grandeza do pequeno grão, o leproso agradecido e os outros nove, a viúva e o juiz injusto, o fariseu e o publicano, o cego de Jericó e Zaqueu. Através da contraposição desses personagens, das atitudes opostas e das imagens, Jesus tem o desejo de educar seus discípulos. O objetivo do evangelista é indicar atitudes que devem ser praticadas para entrar na vida eterna (cf. Lc 10,25).
A escolha para estar com Jesus, a vigilância, a humildade, o retorno à casa paterna, a astúcia pelo Evangelho, a identidade curada, a salvífica gratidão, a oração apaixonada, o reconhecer-se frágil, a disponibilidade em acolher a salvação, a perseverança na fé foram as atitudes concretas indicadas por Jesus através do olhar do evangelista Lucas.
A decisão de seguir Jesus não deve ser resultado de emoções, de satisfações passageiras e de compensações enganosas, mas deve consistir numa sabedoria inteligente de um ato de abandono ao seu projeto de amor. A exigência de Jesus não serve para manipular o Evangelho com tristes reducionismos e com mecanismos autorreferencias. Com essas atitudes, Ele quer libertar seus discípulos do perigoso obstáculo de viverem para si mesmos.
A exortação do Mestre, para calcular e examinar, indica à necessidade de escolher o seu caminho com seriedade. A vida espiritual do discípulo de Jesus não pode ser fruto de improvisação e, muito menos, de cálculos mesquinhos, pois Ele quer propor mais do que ações ou escolhas pessoais. Ele propõe uma sabedoria cristã com a qual se deve enfrentar a vida assumindo decisões. Estar com Jesus é aprender a escolher novos critérios de valor, aderir a uma lógica cristã e um estilo de vida diferenciado. A renúncia que Jesus pede não é sacrifício, mas ato de liberdade. Para segui-lo é preciso sair da ansiedade do acúmulo e da ilusão do poder.
O fim do homem não é decidido no momento derradeiro, mas através das decisões, escolhas e opções que vive durante toda sua história. No percurso da vida, podemos escolher a indiferença e a condenação ou podemos construir uma verdadeira história de salvação. O Senhor sempre intervém no nosso caminho e na nossa história, mas somos sempre os responsáveis por nossas escolhas e decisões. Assim, Jesus convida os seus a viver com uma nobre postura, trabalhando no aqui e agora para construir um reino diferente: partilhando em vez de tomando, dando a vida em vez de tirando, libertando as normas estéreis em vez de impondo-as, colocando-se ao serviço dos outros em vez de usá-los para o próprio bem.
Na cruz, a opção de Jesus aparece de modo surpreendente. Reinar na cruz é a máxima opção de Cristo. Naquele espaço de dor e sofrimento, de perseguição e lamento, Ele não escolheu a derrota, a murmuração e o abandono do projeto do Pai. Naquele último momento, elevando ao máximo a sua existência, ao ponto de seguir confiante, ainda foi capaz de observar um último pedido. Não olhando para sua dor, abandono e sofrimento, foi capaz de garantir a salvação e revelar o projeto amoroso de Deus. De tal forma, Ele fez da sua cruz um trono e não simplesmente um algoz. Coroado não para sinalizar a sua dor, mas para nos dizer que ele conseguiu coroar com glória a vontade eterna de Deus. Não somente o “Rei dos Judeus”, mas o Princípio e o Fim de todos aqueles que optaram por permanecer fiéis a Ele aceitando entrar na mesma aventura.
A máxima contradição de Cristo é o seu reinar na cruz. Ele não nos salva por força da onipotência divina, mas por força da fraqueza e da debilidade. A realeza de Cristo muda a lógica da potência que rege a realeza humana. Sua glória é marcada por não ter desistido de amar até o fim, mesmo encontrando no percurso da sua vida, a contradição do homem.
Dessa forma, o Reino de Cristo é a revelação de um amor sem fim, onde podemos fazer a experiência verdadeira do ser amado e ser acolhido, embora, muitas vezes, não temos a mesma disposição de perseverar e de permanecer. Diante dessa evidência, aparece uma realidade misteriosa: a obra da redenção humana. Não somente o Cristo torna-se rei, mas o homem redimido também vivencia a experiência de ser rei. O Cristo no alto da cruz dá ao homem a possibilidade de viver a mesma dimensão Dele: sacerdotal, profética e real.
As palavras de Jesus a um dos malfeitores, responde o “quando” o reinado de Deus acontecerá na história. O Reino não foi uma proposta que aconteceu num passado distante e nem acontecerá num futuro longínquo, mas que acontece quando aderimos e deixamo-nos atrair pelo amor de Deus. O Reino é comunhão com Cristo: não estarás no meu reino, mas estarás comigo no paraíso. A salvação consiste em estar com Cristo. Se a cruz é a chave do paraíso, naquele momento, o ladrão entrou no Reino porque experimentou o excesso do amor, fazendo comunhão com a fraqueza de Cristo e reconhecendo tudo como consequência das escolhas do próprio Cristo. O “amor” o libertou do poder das trevas, dando-lhe a redenção, o perdão dos pecados e fazendo comunhão. Portanto, o amor de Deus triunfando em seu coração não havia mais espaço para a morte, somente para a vida eterna.
Do “hoje, na cidade de Davi, nasceu o salvador” (Lc 2,11) ao “hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23,43), observamos o cumprimento das Escrituras vendo as maravilhas de Deus. Do nascimento de Jesus à sua morte de cruz houve mesma intenção: nasceu para amar e morreu porque amou. A dinamicidade temporal do “hoje” garante que a promessa também é nossa. A Palavra se cumpre em nosso hoje e a Escritura continua a se cumprir em nossas prisões, cegueiras e opressões.
Hoje, para cada um de nós, é sempre a hora de escutar a voz de Deus. A boa notícia não consiste na oferta de uma moral pura, nem somente na possibilidade de ter todos os pecados perdoados, mas na libertação de opressões externas e internas que cegam o homem impedindo-o de ver a graça do Senhor.
Cristo Rei é Aquele a quem devemos nos dirigir para continuar a obra de libertação do mundo. Ele é a fonte desta libertação e nós somos os continuadores da sua obra de redenção quando nos tornamos atores e protagonistas de reconciliação. O perdido e o oprimido é liberto pelo poder do Cristo Redentor. A estrutura de pecado, reinante no coração humano, pelo poder radiante da cruz, pode ser destruída dando espaço à possibilidade de amar e fazendo com que o homem deixe de olhar somente para si mesmo reconhecendo o senhorio do Cristo em sua vida, na história e no tempo.
Não basta proclamar as maravilhas de Cristo, Rei do Universo, se nada muda em minha vida e em minhas escolhas. Buscar o reinado social de Cristo no mundo e não o desejar em minha vida pessoal, nada me serve, mas apenas transforma esta Solenidade, num discurso político. Onde alguém não reina, há sempre caos. Se o meu interior não reina Cristo, se a minha vida não é conduzida pelo poder radiante da cruz e se a minha história não vive da comunhão com Ele, tudo é caótico, tudo é desespero e nada tem sentido. A vida é transformada quando escolho estar com Cristo, onde quer que Ele esteja porque onde está Cristo, está o seu Reino de amor.
Senhor, conceda-me abandonar-me ao teu projeto de amor. Liberta-me do perigo de viver para mim mesmo. Dá-me a graça de escolher critérios de valor, lógica cristã e estilo de vida diferenciado. Ensina-me a ver na cruz de cada dia uma possibilidade de redenção, pois a verdadeira redenção é escolhe estar contigo. Dá-me a graça de compreender que “hoje” é sempre a hora de reconhecer sua voz e seu senhorio em minha vida, na história e no tempo. Que no meu interior reine a comunhão do teu poder e da tua comunhão na cruz.
LFCM.
Bom Dia Frei,gratidão sempre por me enviar suas palavras reveladoras ,que me ajudam a compreender o Amor do Senhor por nós. Paz e bem.