O segredo da vida
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 27 de abr. de 2024
- 4 min de leitura
Atualizado: 4 de mai. de 2024
A Páscoa traz a imagem da Videira junto com a imagem do Bom Pastor. Jesus afirma: “Eu sou a videira verdadeira e meu Pai é o agricultor”. Ambas as imagens são bem conhecidas pelo povo de Israel e em todo o Antigo Testamento. Elas assumem um significado especial no universo religioso judaico. Israel é a vinha plantada pelo Senhor que, produzindo muitos frutos, é capaz de gerar o vinho que alegra o coração.
A vinha que brota do chão árido e pedregoso é símbolo da vida abundante. Nesse sentido, vida e alegria, temáticas da ressurreição, perpassam a experiência litúrgica da Páscoa.
A radical novidade com relação ao Antigo Testamento é que Jesus se apresenta como a “Videira Verdadeira”. É Nele que a história do povo de Deus toma forma de salvação. Ele é a testemunha da renovação da aliança de Deus com o seu povo e é testemunha do amor fiel. Ele é a Verdadeira Videira, a fonte dos ramos e a pulsão da vida. Os ramos e os frutos novos estão relacionados com a pulsão que brota da Videira Verdadeira. Em Cristo, Deus é a seiva que faz brotar os ramos e os frutos.
A parábola da videira tem como principal sentido a produção dos frutos. Se os ramos não são podados, eles bloqueiam a transmissão da seiva vital produtora de novos frutos. A poda da vinha tem valor de limpeza e de alívio do peso desnecessário permitindo a fecundação da árvore. Cada ramo que dá frutos é podado para que dê mais frutos ainda. Podar a videira não significa amputar, mas remover o supérfluo e dar nova força. Podar é eliminar o velho e fazer nascer o novo. Quem não entende da arte do vinhateiro, quando vê a vinha podada com seus “troncos” retorcidos e velhos, sem uma única folha verde, imagina que a videira esteja completamente morta. Somente o bom vinhateiro entende a necessidade da poda. Jesus diz que o Pai é o agricultor. É Ele quem realiza a poda a fim de que a videira tenha vida e produza abundantes frutos.
Na parábola deste domingo, o verbo “permanecer” se repete várias vezes. Ele explica tudo. Entretanto, é preciso abandonar uma leitura romântica desse verbo. Jesus insiste no “permanecer” para ensinar que somente permanecendo seremos capazes de realmente amarmos. Permanecer na relação com Deus é exigente, pois sua Palavra é incontestável e inquieta. Assim, permanecer na relação com Deus é viver uma inquietude contínua para sair dos nossos raciocínios lógicos e dos nossos esquemas medíocres. Permanecer é um desafio e não um status, pois somente quem permanece, ama! Nas relações humanas, permanecer não é menos exigente. Permanecer é dar sempre nova chance, não fugir ou se deixar dominar pelas raivas e pelas inconstâncias. Permanecer numa relação ou nas várias situações da nossa existência, por vezes, exige uma séria disposição e uma consciência elevada.
O convite a permanecer não possui obstinação passiva. O permanecer com Ele, por Ele e Nele é um permanecer ativo e recíproco. Sem a videira, os ramos nada podem fazer. Eles precisam da seiva para crescer e dar fruto. Entretanto, a videira precisa dos ramos porque o fruto não brota do tronco da árvore, mas nos galhos.
Há uma relação de comunicação e vida: “sem mim nada podeis fazer”. É uma necessidade recíproca, um permanecer mútuo para dar fruto. Nós permanecemos em Jesus e Jesus permanece em nós. Essa relação é o segredo da vida cristã. Cristo é a nossa videira da qual absorvemos a linfa, ou seja, a “vida”.
“Sem mim nada podeis fazer”. Essa afirmação incisiva de Jesus não é uma ameaça, mas é uma descrição simples da realidade. Sem a pulsão viva de Jesus em nossa existência, nossas opções são marcadas pelos absurdos temporais e pelo preenchimento do vazio interior. Sem Jesus, pouco a pouco, a vida se torna constante ilusão e perfeita desilusão. Sem Ele, permanecemos reféns dos supérfluos e das efemérides. A graça da vida nova é gratuita, por isso, a comunhão vital com Cristo é necessária e real. A Videira Verdadeira é Cristo, da qual nós somos os ramos. Ele nos lembra que a vida, que devemos acolher e valorizar, vem Dele.
É permanecendo na Fonte da Vida Nova que nossa existência ganha força extraordinária, energia sem limites, pulsão de abundância e desejo de permanência. Nosso coração se abre para a grandiosidade da generosidade e para a incondicionalidade da misericórdia.
Permanecer em Cristo depende da decisão livre e consciente de cada discípulo. Toda decisão precisa ser continuamente regenerada, renovada e reassumida. No Evangelho está a força poderosa capaz de regenerar nossas vidas e nossas decisões. É nele que está a energia de que necessitamos para recuperar nossa identidade como seguidores de Jesus. Quando nos deixamos seduzir e experimentamos o Evangelho em nossa vida, acreditando que o Ressuscitado não é um fantasma e nem uma simples lembrança do passado e abrimos nossa mente à inteligência das Escrituras, somos conscientes de que sem Ele nada podemos. Então, quando tudo isso formos capazes de fazer e entender, nos tornaremos capazes de O reconhecer e permaneceremos ancorados na generosidade da Sua vida.
Senhor, ajuda-me a permanecer contigo. Dai-me a certeza de que sem Tua força nada posso fazer. Que a Tua seiva misericordiosa e a Tua linfa vital pulsem em minha existência. Permaneça em mim abrindo o meu coração para a grandiosidade da generosidade e para a incondicionalidade da misericórdia.
LFCM.
Ilustração: Romolo Picoli
Gratidão frei por me enviar a confirmação de sem Ele nada somos e nada podemos ser e fazer. Creio nisso, suas palavras me confirmaram essa verdade e me trouxeram esperança em meu viver sempre com Ele e para Ele. Paz e Bem🙏🏿🌺