O tempo novo de Deus
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 9 de jan. de 2021
- 4 min de leitura
Atualizado: 16 de jan. de 2021
Todas as celebrações litúrgicas e civis dos últimos dias nos inspiraram aos novos começos e estão cheias de dados simbólicos que tendem à nossa integração. Assim, esses novos começos nos inspiram a ritos de renascimentos, místicas de purificações, intuições, percepções, promessas e esperanças. Tais elementos fazem parte da beleza da nossa humanidade e nos ajudam aos processos que nos forçam às conclusões, aos recomeços e às novas decisões.
Tudo pode continuar velho e antigo se não for acompanhado de novas ideias, de aberturas ao futuro, de posturas adequadas, de consciências atualizadas e de opções comuns. Sim, porque uma vida que foca somente em interpretar continuidades temporais e objetivadas, faz com que as nossas expressões sejam cansativas e carregadas com coisas que não nos permitem ao novo.
Dito isso, vemos que a festa de hoje continua a nos inspirar a esses novos começos. Depois que o verbo assumiu no tempo a carne humana e que a manifestação do Senhor fez-se presente em todos os espaços da terra, hoje somos convidados a elaborar a memória do início da vida pública de Jesus.
Enquanto no anúncio do Natal a criança tinha sido revelada aos pastores de Israel e, com a chegada dos Magos do Oriente, tinha sido revelada aos povos pagãos; no Jordão, no batismo recebido por João, Jesus se revela sobretudo a si mesmo, porque naquele momento se realiza o acontecimento que dará início à sua missão pública e profética, fato que constitui exatamente o “início do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus”, como escreve Marcos nos seus primeiros versículos.
Com efeito, dois são os fatos marcantes: o batismo de Jesus por João e a voz do Espírito que evoca o dom da filiação. Em geral, não haveria qualquer necessidade para esse batismo de Jesus, ao mesmo tempo, ele é a prova da proximidade de Deus com a necessidade humana. Aquele que não conhece o pecado, se fez pecado para a nossa salvação. Sendo assim, no Batismo, Jesus assume sobre si o pecado do mundo: leva-o, torna-o seu, sofre-o e leva-o consigo para a cruz. Portanto, no gesto de Jesus, temos referências explícitas à passagem da escravidão à liberdade e ao início de um novo êxodo para a verdadeira Terra Prometida.
Dessa forma, Jesus entra na mesma água que os pecadores entram em busca de purificação. Ele não se coloca de longe, afastado e com medo de contaminação, se envolve, é solidário com os pecadores, não tem medo de tocar na carne ferida pelo pecado e de, até mesmo, ser considerado um pecador. Jesus vem ao nosso encontro nos espaços que marcam o reconhecimento da nossa indignidade, perdição e inadequação. Ele vem bem ali onde desejamos um novo tempo e um novo começo.
O texto do Evangelho deste domingo nos faz ver de forma concreta esta vontade de Deus de nos encontrar onde nos sentimos sozinhos e indignos. Na cena podemos colher a novidade do Deus cristão. Ele não permanece no céu para impor disposições e controlar tudo, mas se faz um de nós. O que vemos também aqui é mais uma realização da nossa oração no tempo do advento.
Jesus, com o batismo, orienta a sua vida: fazer a vontade do Pai e ser solidário com a humanidade ferida. Depois do Batismo, vemos a manifestação de Deus. Os céus se abrem, referindo-se à profecia, e Jesus vê o Espírito descer sobre ele.
De fato, no batismo de Jesus se abrem os céus, aqueles céus que pareciam fechados porque era como se Deus não quisesse mais falar à humanidade. Em Jesus os céus se abrem e nunca mais se fecharão: Deus volta a falar à humanidade e já não se calará. Foi restabelecida para sempre a relação entre Deus e o homem, caíram as fronteiras, as distâncias e terminou todo vínculo de superioridade e de castigo.
Por conseguinte, o Espírito desce sobre Jesus como uma pomba. A imagem da pomba é muito significativa para a história da salvação. Já na criação o Espírito pairava sobre as águas. O caos foi reorganizado pelo Espírito de Deus. Depois, a pomba é enviada por Noé para verificar se as águas do dilúvio baixaram; a pomba é a noiva do Cântico dos Cânticos que o noivo está procurando; a pomba também é o nome de Jonas, o profeta que é chamado para pregar a misericórdia de Deus. Ora, a pomba desce sobre Jesus, habita nele e constitui a força que cumprirá a obra da salvação.
Ao lado deste sinal, está também a voz do Pai que nos indica o caminho fundamental para o novo recomeço, ou seja, escutai a voz do meu filho, pois nele está todo o meu bem-querer e todo o meu projeto.
Sendo assim, o batismo de Jesus significa o início do Reino de Deus praticado no meio dos homens. Não mais um anúncio, mas uma presença atuante e concreta, visível nas ações dos seguidores de Jesus. Por isso, nesta festa do batismo, nós somos convidados a também refletir sobre o nosso batismo, esse evento inicial da nossa vida que nos arrancou definitivamente da sombra da morte e nos garantiu o início de uma vida eterna com Deus. Que tal perspectiva seja a nossa dinâmica cotidiana para viver o tempo novo de Deus e a vida nova do Espírito.
Muito bom ter as suas reflexões de volta. Paz e Bem!