O último milagre
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 13 de mai. de 2023
- 5 min de leitura
A longa despedida que Jesus fez com seus discípulos terminou. Essa longa despedida foi a última oportunidade para os discípulos conhecerem profundamente as intenções do Mestre. No coração dos discípulos, além do medo, do cansaço e da incompreensão, começou a nascer a solidão. Eles não sabiam como encontrar forças para continuar as propostas salvíficas de Jesus. O Cristo se preocupando com Sua ausência física, prometeu aos seus discípulos um outro Defensor, o Espírito da Verdade. A promessa de Jesus nos faz lembrar Seu amor incondicional, pois Ele pensa nos sentimentos que surgiriam nos corações dos discípulos ao se sentirem sozinhos.
Os discípulos tinham medo de permanecerem sozinhos, ou seja, órfãos. Na cultura rabínica, os mestres eram considerados pais. Nesse sentido, a ausência do mestre era considerada uma orfandade. Sem o mestre os discípulos não sabiam como continuar a caminhada. Eles sentiam-se desamparados, desvalorizados, não amados. Na fragilidade da existência, não sabiam onde ou em quem encontrar forças para seguirem confiantes. Mesmo tendo caminhado com Jesus por muito tempo, eles ainda se sentiam vacilantes e inseguros. Nesse momento de despedida foi necessário que Jesus os consolasse e indicasse suas convicções, sonhos, vontades e a permanência de Sua presença. A fé em Jesus não era suficiente. Era necessário que eles alcançassem o amor por Jesus.
O amor de Cristo era tão grande por seus discípulos que Ele encontrou um modo de permanecer no meio deles. Sem Ele, os discípulos se perderiam com maior facilidade. Também, nos momentos dolorosos da vida, eles não encontrariam a consolação necessária. Dessa maneira, Jesus divino-humano pensa uma nova possibilidade e, antes de deixá-los, faz a promessa da Sua eterna presença. O último milagre de Jesus foi transformar a ausência em presença e a distância em proximidade.
O desespero dos discípulos seria findado quando eles percebessem a potente grandeza de uma promessa. A presença de Cristo assumiria uma modalidade forte e real maior do que quando caminhava com seus discípulos. Não era mais no cenáculo externo, mas Ele poderia ser encontrado, no cenáculo interior do coração. Assim, para continuar sentindo-O era necessário assumir a desafiante responsabilidade: “se alguém me ama, guardará a minha palavra”.
Consciente da incompletude dos discípulos, Jesus deixa sua comunidade e promete continuar seu projeto por meio da ação Daquele que ensina e recorda. O Defensor prometido traria autonomia aos discípulos. A facilidade de ver Jesus com os próprios olhos precisava ser transformada na possibilidade de intuir uma nova forma de presença. Após os primeiros anos com Jesus, os discípulos precisavam se tornar adultos e independentes. Mesmo que frágeis, eles precisavam assumir com suas próprias forças a continuidade do projeto de amor e de liberdade. Por isso, o Mestre somente ausenta-Se quando toma consciência de que seus discípulos são capazes de caminhar com maturidade continuando com autonomia o mistério salvífico.
O trecho evangélico de hoje começa e termina falando do amor e dos mandamentos. Sem amor não há continuidade com o Espírito de Cristo. O amor cristão é um sentimento concreto. Acreditar não é uma atitude racional, mas um envolvimento com os próprios sentimentos de Jesus.
O concreto da vida ressuscitada não se trata de uma ideia, mas de uma “forma de viver”. O amor a Jesus não deve ser apenas um desejo ou uma bonita intenção. O amor a Jesus deve ser a observância do mandamento novo, do último e definitivo mandamento: o do amor recíproco. Um amor que esteja entre o equilíbrio da emoção e da escolha, da ênfase e da vontade, da decisão e da concretude, da tolerância e da paciência, da autenticidade e da acessibilidade.
A “mínima” vivência dos mandamentos é a manifestação do amor cristão, simbolizado no amor a Deus, a si mesmo e aos irmãos. O amor cristão é permanência das escolhas de Cristo, do seu modo de pensar, de estar e de existir. Não é romantismo frágil e emoção passageira. É compromisso cotidiano de procurar uma existência modificada e evoluída que não exclua e nem esteja marcada por preconceitos. O amor semelhante ao de Cristo é um “dar” e não um “ter”. Não é um amor possessivo, mas é um amor oblativo. É um êxodo, uma saída, uma libertação da perigosa escravidão do próprio egoísmo. Aqueles que amam à maneira de Cristo e conseguem manter uma relação autêntica com Ele são agraciados pela presença contínua desse “outro” Defensor.
A metodologia utilizada pelo Mestre deve ser aprendida e vivenciada por cada um de nós. Ele se eterniza nos “vestígios” da sua presença e se manifesta de dois modos. O primeiro deles escolhendo uma matéria que fosse visível aos olhos e tocável pelas mãos: o pão e o vinho transformados em Seu Corpo e em Seu Sangue. Eis o sinal concreto e visível da eterna presença do Senhor. Depois, a Sua presença torna-se real no amor. Somente aqueles que escolhem o Amor e o vivenciam são capazes de sentir a presença atual, real e eterna do Espírito do Ressuscitado: “Ora, quem me ama, será amado por meu Pai, e eu o amarei e me manifestarei a ele”. O amor é a presença viva do Espírito Santo que habita em cada um de nós.
É o “Espírito da verdade” que desperta em nós os sentimentos mais elevados e os desejos mais nobres. O Espírito Santo, “companheiro inseparável” de Cristo, desce como um Paráclito para defender, consolar, ensinar e recordar os discípulos. A missão do Espírito Santo de Deus é recordar, isto é, fazer praticar plenamente os ensinamentos de Jesus. Ele não é uma presença invisível, mas a concretude da permanência de Cristo no meio de nós. Por isso, o Espírito da Verdade é acolhido somente por aqueles que participam da obra de Jesus e vivem com amor Seus projetos.
Jesus não foi embora. Ele apenas muda a forma de Sua presença. Agora, Ele não tem a forma física, mas a forma do Ressuscitado. Seu novo modo de permanecer ao lado dos discípulos, mesmo na invisibilidade, é infinitamente real, eterno e sem limites. Ele é sempre presença e nunca se ausenta. Está próximo e não distante, pois a vida não é uma solidão. A vida cristã é contrária a qualquer forma de solidão. Na Sua própria despedida, quando os discípulos vivenciavam a solidão e a orfandade, Jesus lhes promete um “Paráclito”, um companheiro de missão, uma presença que atualizaria o Evangelho e não permitiria com que Seus seguidores se distanciassem do Seu Projeto de Amor.
Senhor, dai-me lembrar a promessa do Seu amor incondicional para que eu nunca me sinta sozinho, desamparado, desvalorizado e não amado. Que eu seja capaz de experimentar seu último milagre em minha vida: Sua eterna presença. Que eu seja capaz de encontrar-Te no cenáculo interior de meu coração. Concede-me a força necessária para continuar Seu projeto de amor e de liberdade com maturidade e autonomia. Ensina-me amar observando Seus mandamentos amando a Deus, a mim mesmo e aos meus irmãos. Que eu escolha e vivencie o Amor sentindo a presença atual, real e eterna do Espírito Santo que me habita e atualiza Sua permanência no meio de nós!
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