O único culto agradável a Deus
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 27 de ago. de 2021
- 4 min de leitura
Atualizado: 3 de set. de 2021
O Evangelho toca um ponto central para a religião judaica. Os judeus julgavam o mundo a partir de dois conceitos: puro e impuro. Tudo aquilo que era proveniente dos pagãos e tinha contato com os ídolos era considerado impuro e exigia rigorosas purificações. Diante disso, os rabinos emitiam disposições meticulosas e não negligenciavam qualquer detalhe. Especificavam o grau de impureza, a purificação adequada e o tipo de água necessária para o ritual. Ignorar essas normas era imperdoável.
A impureza era considerada fonte de maldição porque remetia infidelidade a Deus e às tradições sagradas. Os pobres não podendo cumprir todas as normas, eram considerados “povo maldito”.
A narrativa de hoje é iniciada com a acusação de que os discípulos de Jesus não seguiam as tradições. A pretensão dos escribas e fariseus era prejudicar a credibilidade e a autoridade de Jesus. Contudo, Jesus reage e denuncia a hipocrisia das tradições pensadas pelos homens que ocupavam o lugar de Deus: “Vós abandonais o mandamento de Deus para seguir a tradição dos homens”.
Jesus denuncia que, na prática, em muitos deles não havia o amor a Deus, mas somente a si mesmos, protegendo seus interesses pessoais, em nome de uma tradição. Assim, tais práticas trazem morte e injustiça não permitindo ver o rosto de Deus na vida cotidiana, nas pessoas e nas situações.
A hipocrisia é a prática de cobrir o “rosto” com a máscara da religiosidade, da obediência, do devocionalismo, da docilidade, fazendo-se passar por pessoas piedosas. Honram o Senhor apenas com as palavras e com os lábios, não com o coração. Os hipócritas caem na perversão e medem tudo a partir deles próprios. Não são capazes de acolher o novo e preferem agarrar-se aos modelos do passado. O hipócrita é um mentiroso, pois falta-lhe autenticidade e coerência. Tudo é sempre aparência. E a aparência, no mundo da fé e da religião, mata, engana, extingue, perturba e manipula. Negligenciam o único culto que agrada a Deus: o amor ao próximo.
Neste sentido, na segunda parte do Evangelho, Jesus estabelece o critério para discernir quais ações são puras e quais são impuras. Os atos que contaminam o homem não vêm de fora, mas de dentro, do coração. Então, são elencados doze vícios, seis no plural e seis no singular, que devem ser examinados por aqueles que se consideram religiosos. Com isso, Jesus revoluciona uma doentia concepção religiosa: não são as coisas externas que contaminam, mas o coração fechado a Deus e ao próximo.
Aquilo que qualifica as boas e as más ações não é a conformidade com uma norma, mas o fato de ser a favor ou contra o homem. O mal e a impureza não estão nas coisas, mas em nós: na escolha entre o amor e o ódio, no reconhecimento do outro e optar viver sozinho, no desejo pela comunhão e viver a divisão. Prova disso é que “o que sai do coração do homem” e o torna impuro, diz respeito à nossa relação para com o próximo.
Jesus enfatiza que a fonte das impurezas não são os alimentos que entram no homem, mas os pensamentos e ações que fluem do seu coração. Jesus não põe a origem do mal em nenhum espírito, em nenhum demônio e nem em Satanás. Dessa maneira, a mensagem central do texto consiste em discernir entre o essencial e o periférico, entre o prioritário e o secundário.
Jesus propõe uma fé que mantém o interior em contato com o exterior. Essa é a maior integração que o Senhor nos ensina a fazer. É preciso unificar os sentimentos que vivem dentro de nós e as escolhas concretas que fazemos.
Nós, como os fariseus e os escribas, preferimos colocar o exterior no centro. O exterior é mais fácil de controlar, julgar e condenar. Ao contrário, o interior foge do nosso controle. Nunca saberemos o que realmente está no coração do outro. Somente Deus é capaz de sondar o interior do homem. Então, ninguém consegue colocar as mãos no interior do outro. Podemos, na melhor das hipóteses, julgar suas ações, mas nunca podemos colocar um rótulo na alma do irmão. Se, ao contrário dos fariseus, tentarmos fugir de conclusões fáceis sobre o que pensamos do outro, começaremos a entrar na lógica do Evangelho e passaremos da hipocrisia à liberdade. Seremos mais serenos, menos moralistas, praticando o Evangelho.
O discernimento se funda sobre os mandamentos de Deus e o coração do homem, ou seja, entre a Palavra de Deus e a humanidade do homem. A palavra de Deus tem como meta o coração humano e tende a suscitar uma resposta sem divisão entre linguagem e coração, entre dizer e fazer, entre existência e culto.
Muitas vezes, quando pensando em agradar a Deus e ser fiel a Ele, o homem é marginalizado, excluído e esquecido, a tradição está errada, se distanciou da boa-notícia do Evangelho e, sobretudo, tomou distância de Jesus. É aqui que está o perigo de defendermos algumas tradições que não servem mais ao homem da atualidade.
Se o Evangelho é sempre novo e possui novidades, devemos ficar atentos quando utilizamos dele para defendermos aquilo que não pode ser defendido. Se estamos gerando vida e alegria, significa que nosso fazer é puro, mesmo que seja imperfeito. Se nos preocupamos com a “perfeição”, mas não olhamos o outro com misericórdia e ternura, significa que não estamos purificados. Afinal, a pureza começa com a intenção e se expressa na relação e na acolhida. A autenticidade da fé se funda nessas ações. Uma fé autêntica e coerente se funda no amor.
Senhor, unifica o meu coração para que ele viva a tua Palavra. Ensina-me a acolher a plena verdade da minha humanidade. Não quero viver com as verdades incompletas e com as opções mal discernidas, pois são elas que me fazem cair na hipocrisia e na perversão. Não quero dissimular a minha fragilidade com a aparência procurando ser fiel às tradições humanas criadas por mim mesmo, preferindo costumes que separam, frustram e expulsam. Preciso de uma fé autêntica e coerente que seja fundada no amor, na ternura e na misericórdia.
LFCM.
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