Os movimentos do recomeço
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 9 de dez. de 2023
- 4 min de leitura
Atualizado: 14 de dez. de 2023
A vigilância, a atenção e a necessidade dos recomeços marcam o convite inicial deste tempo litúrgico. A atenção nos livra das falsas urgências do mundo, da tirania da ansiedade e da rapidez do tempo. A vigilância nos ajuda a estabelecer quais são as prioridades e a escolher a lógica de Deus. Neste horizonte, surge uma voz que vem do passado e que se refere ao futuro: a voz do Batista que dá corpo à promessa feita pelo profeta Isaías e que se refere à vinda do Messias. Deus faz dele, voz que ecoa o apelo à conversão e à promessa do perdão tornando-o um pregador incansável.
João entrou na história para escrevê-la como história de salvação e movimentá-la com as promessas que Deus tinha para o seu povo. Com a finalidade de visibilizar essa movimentação, ele é levado ao deserto e às proximidades do Jordão. É no deserto que a ação divina oferece ao pregador audácia, ousadia e coragem. João, o Batista, repete os verbos presentes no grito de Isaías: endireitar, aplainar e abaixar.
Endireitar o caminho para que o Senhor passe na nossa história. Aplainar os sentimentos para que entendamos o sentido da vida e das coisas. Abaixar as montanhas para que o passado não consuma o nosso tempo. Somente a partir desses três movimentos é que podemos recomeçar. Sendo assim, João Batista é um dos personagens centrais no tempo do Advento, pois é o precursor da missão de Cristo.
Essa é a dinamicidade do caminho espiritual do Advento. Existe um passado a ser deixado e um futuro a começar. Há um exílio a ser abandonado e uma libertação a ser agarrada. Precisamos preencher os “vales”, senão afundaremos em nossos tristes e desolados pensamentos caindo em abismos inimagináveis. Os “vales” devem estar repletos de bons pensamentos para que olhando coisas positivas e alimentando o coração com a alegria, estejamos preparados para o Senhor que vem. O que nós esperamos, de acordo com a Sua promessa, são novos céus e nova terra em que habitará a justiça, a misericórdia e a paz.
É o Senhor que vem ao nosso encontro e nós devemos construir a estrada para que Ele passe. Deus sempre vem até nós, por isso, podemos começar novamente. Neste sentido, o desejo do Senhor de vir, deve ser o ânimo para construirmos um novo tempo.
Todo o texto de Marcos nos fala de um novo começo: "Início do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus". Esta é a Boa Notícia! A primeira palavra do Evangelho de Marcos é em grego: archè, ou seja, “início”. Também, significa princípio ordenador, causa primeira, motivação. O próprio Cristo é a Boa Notícia de Marcos porque Nele e graças a Ele sempre é possível um novo começo. Dessa maneira, Marcos enquadra seu texto em uma única Boa Notícia que é Jesus Cristo, o Messias e Filho de Deus. Voltar ao início da narrativa deste evangelista é uma forma de reordenar nosso olhar em direção a um horizonte mais amplo.
João Batista é uma figura de passagem. Ele abre o Evangelho de Marcos e revela a essencialidade da Boa Notícia. Um homem austero que renuncia ao supérfluo e procura o essencial. Ele convida à conversão e à mudança de orientação. Esse convite não é simplesmente mudar os pensamentos com pensamentos melhores, mas é mudar os pensamentos e as ideias com pensamentos e ideias de Deus.
O Batista nos convida a mudar o olhar. Ele nos convida a olhar para o Senhor, pois é o Senhor o essencial. O convite à conversão é um convite à transformação pessoal. Antes de um agir diferente significa a reorientação do olhar interior, vendo a si mesmo, os outros, o mundo e a Deus de forma diferente.
A conversão indica uma mudança de rumo. No entanto, o convite à mudança contido na expressão de João Batista é mais profundo. Não é preciso mudar para ser uma outra pessoa. É preciso transformar-se para conquistar uma autenticidade profunda e verdadeira, ou seja, o modo saudável como Deus nos criou. É preciso deixarmo-nos surpreender por Cristo no inesperado encontro com Sua presença. Somente após este movimento de transformação podemos ver e nos encontrar com a glória de Deus até nos tornarmos sentinelas que anunciam a experiência desse encontro. Portanto, essa transformação é uma graça que o Senhor nos dá e que devemos pedi-la com força para que Ele nos transforme à medida que nos abrirmos a Sua beleza, a Sua bondade e a Sua delicadeza.
O Advento é tempo inspirador, pois é um tempo de espera do Senhor e implica consciência, empenho, transformação e confiança. Esse tempo litúrgico nos pede deslocamento de lugares estreitos e pequenos, os quais imaginamos ser lugares de segurança, de proteção e de satisfação para irmos aos lugares amplos que, desde sempre, o Senhor nos preparou. Deus nos criou para caminhar e para superar os constantes limites e dramas existenciais. Eis o tempo de transformação! O Advento é um novo início, uma nova Criação, uma nova Gênesis.
Senhor, muda a direção do meu olhar. Ajuda-me em meu processo de transformação pessoal para me tornar mais autêntico. Ensina-me a deixar o passado para recomeçar os teus projetos em meu futuro. Transforma-me para que eu caminhe para frente, para o melhor, para a superação constante dos meus limites e dramas existenciais. Faça-me sentir o início de uma nova Gênesis começando em mim.
LFCM
Olá Frei, obrigado na por me enviar. “…endireitar, aplainar e abaixar” ; q o Espírito do Senhor sempre me mostre como devo seguir em frente, fazendo a vontade do Senhor.