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Os três encontros

  • Foto do escritor: Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
    Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
  • 25 de jun. de 2022
  • 5 min de leitura

Atualizado: 26 de jun. de 2022

O Evangelho de hoje nos coloca diante da mudança de perspectiva do evangelista Lucas. Estamos no centro da sua narrativa. Até o momento, foram relatadas as pregações e as curas realizadas por Jesus. Agora, surge uma novidade: Jesus decide ir para Jerusalém com alguns discípulos, onde será preso, condenado e crucificado. Trata-se de um longo caminho não apenas geográfico e espacial, mas espiritual e teológico: a decisão de Jesus é radical e total. Ela torna-se exemplo e critério para a vida de quem quer segui-Lo. Neste primeiro episódio encontramos uma síntese que antecipa tudo o que acontecerá na chegada em Jerusalém.


Desde o início, o caminho para Jerusalém foi difícil, pois não começou da melhor maneira: Jesus foi rejeitado pelos samaritanos e incompreendido pelos discípulos. A rejeição dos samaritanos e a incompreensão dos discípulos servem como anúncio da recusa dos líderes do povo e da incapacidade dos discípulos de suportar o peso de um caminho que se configura diferente do que eles haviam imaginado. Jesus era um homem rejeitado. Ele apareceu continuamente como um homem falido. Foi incompreendido pela família que O chamava de louco. Os líderes religiosos pensavam que Ele era filho do diabo. O povo e os discípulos também não O compreendiam. Ele precisou mudar as estratégias e vivia de recomeços. O fracasso foi experimentado e fez parte da vida do Filho de Deus.


Thiago e João, de forma impetuosa, revelam a incompreensão dos discípulos diante da rejeição dos samaritanos: "Senhor, queres que mandemos descer fogo do céu para destruí-los?" Eles eram judeus observantes e não compreendiam o movimento de Jesus. Para estes discípulos, era melhor condenar e punir em nome de Deus, do que aceitar que os Samaritanos continuassem em suas vidas, não assumindo a vida de Jesus. Além disso, entendendo o ministério de Jesus como poder autoritário, não aceitavam ser refutados e estavam tão irados a ponto de desejarem os "castigos celestes". No entanto, “Jesus voltou-se e repreendeu-os”.

A radicalidade de Jesus e o Evangelho exigem que o discípulo abandone toda pretensão, arrogância, raiva e violência. O "fogo" que Jesus veio trazer à terra é o fogo do amor misericordioso, da paciência, da liberdade e da constância. Da parte de Jesus não há uma única palavra de reprovação pela rejeição dos Samaritanos, mas Ele reprova o desejo dos discípulos. O Evangelho não mostra como foi a repreensão de Jesus. Certamente, no gesto de voltar-se estava um olhar que dizia que o caminho da condenação não seria a proposta a ser oferecida.

Ao longo desse caminho, Lucas revela que aconteceram três encontros com personagens sem identificação. Não se sabe nada desses interlocutores: são anônimos. Também, não se sabe o que aconteceu depois do encontro que tiveram com Jesus. O interesse do evangelista, ao não identificar esses personagens, é permitir com que cada um de nós, se identifique com eles, diante dos mesmos questionamentos e decisões. Referindo-se à radicalidade do seguimento, Jesus ensina uma atitude, uma postura e uma entrega.


No primeiro encontro, alguém na estrada disse a Jesus: "Eu te seguirei para onde quer que fores". Esse alguém se candidata ao seguimento com palavras generosas, aparentemente convictas e entusiasmantes, mas sem muito discernir sobre as entregas a serem feitas. Direto, Jesus respondeu: "As raposas têm tocas e os pássaros têm ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça". O primeiro encontro nos recorda a disponibilidade necessária para o seguimento.

O interesse de Jesus foi eliminar da compreensão dos seus discípulos os fáceis entusiasmos, a superficialidade, a tranquilidade e a proteção de uma casa. O seguimento não possui segurança das estruturas. Tornar-se discípulo significa aceitar a insegurança, o fardo do irmão, a submissão recíproca e o fracasso.

No segundo encontro, Jesus chama outra pessoa que passava pelo caminho. Essa pessoa deu uma resposta coerente com a tradição: "Deixa-me primeiro ir enterrar meu pai". Ritualizar e concluir as relações familiares sempre foi algo sagrado e difícil para qualquer pessoa. Não apenas para prometer dar continuidades e perpetuar as tradições familiares, mas para manifestar os afetos mais sinceros. A quebra do simbólico afetivo e o distanciamento da corporeidade é um dos desalentos mais difíceis de ser ritualizado. No entanto, a resposta de Jesus é incômoda, provocativa e fora do bom senso: "Deixa que os mortos enterrem os seus mortos; mas tu, vai anunciar o Reino de Deus". Ao exigir a libertação dos vínculos humanos, Ele revela a necessidade da liberdade em prol do Reino.

O interesse de Jesus não está simplesmente na renúncia das relações que deram vida, mas no ensinar aos seus discípulos que a vida deve estar à frente e não atrás. Ao radicalizar: “deixem que os mortos enterrem os seus mortos”, Jesus nos faz refletir sobre o que em nós não significa vida, mas rotina, vazio interior, existência aprisionada e dependência infantil.

No terceiro encontro há, também, o interesse familiar: "Eu te seguirei, Senhor, mas deixa-me primeiro despedir-me dos meus familiares". A resposta de Jesus mostra a inaptidão ao Reino para aqueles que não sabem concluir os processos do tempo: "Quem põe a mão no arado e olha para trás, não está apto para o Reino de Deus". Olhar continuamente para trás é uma das razões pelas quais nunca chegamos à decisão. Perguntar-se pela escolha certa é uma tentação contínua daquele que se coloca à disposição do caminho e daquele que há muitos anos está no seguimento. O problema é o interesse pelos caminhos retos, pelos resultados certos, esquecendo de que a estrada é feita de curvas, subidas e descidas, oscilações e desvios.


O condicionamento ao seguimento é o desafio encontrado nos três personagens anônimos e não identificados no Evangelho: “te seguirei, mas deixa primeiro eu fazer isso”. As entregas parciais e condicionais não são entregas verdadeiras e decisivas. A “condição” tem equivalência de “negação”, pois serve apenas como aparência. Dessa forma, a condição revela o medo de avançar, arriscar, ousar e investir no Reino e em suas consequências. O "condicionalismo" revela mediocridade no seguimento, contrária à liberdade.


Enfim, decidir nunca é uma ocasião fácil: há sempre um túmulo aberto, um morto a enterrar e uma relação a concluir. O pai a ser sepultado lembra a imagem da origem e do passado. Ele é a história que nos gerou, mas da qual devemos nos separar para nos apropriar da nossa própria vida e sermos promotores do futuro. O processo é complicado, difícil e exigente. Sair das estruturas fáceis, deixar quem nos deu vida e quebrar os vínculos em nome do seguimento a Jesus exige enorme disposição interior. Humanamente, não somos capazes dessa decisão radical ao seguimento, pois tecemos condições e necessidades pelo caminho. Somente a decisão e o exemplo de entrega de Jesus torna-se o critério para a vida de quem quer verdadeiramente segui-Lo.


Senhor, o teu seguimento é muito exigente. Tantos são os vínculos e as necessidades que me geram incômodos, preocupações e inseguranças. Ensina-me o caminho da disponibilidade, da liberdade e da decisão a fim de que eu possa entender a verdadeira radicalidade do seguimento. Liberta-me de todos os condicionamentos que me impedem de entregar-me decididamente, disponível e livre ao projeto do Reino.


LFCM.

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1 comentário


Marcia Severo
Marcia Severo
26 de jun. de 2022

Bom Dia Frei !!! Evangelho q mexe muito comigo. Qtos desapegos preciso conseguir para ser livre para o Reino… sigo lutando… Gratidão por suas palavras. Paz e Bem.

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