Um convite-mandamento
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 24 de jun. de 2023
- 4 min de leitura
Jesus, nos diálogos com os discípulos e antes de enviá-los à missão, discorreu sobre a polaridade do coração humano. Esconder ou revelar, manter em segredo ou fazer conhecer, trevas ou luz, dizer aos pés do ouvido ou gritar sobre os telhados. A caminhada dos seguidores do Mestre seria marcada por dualidades de tensões e de alternativas que deveriam escolher uma e deixar outra. Mediante a este contexto, o principal ensinamento do Evangelho de hoje é não ter medo.
A preocupação de Jesus era libertar seus discípulos do medo porque esse sentimento paralisava e causava morte. O medo obstaculizava as opções e não permitia com que eles fizessem escolhas corajosas. Onde existia o medo não havia liberdade e a criatividade tornava-se mesquinha e ingênua. Com o medo, havia a incapacidade de deixar de lado os traumas e as dores. Isso distanciava os seguidores de Jesus de viverem o projeto de Deus.
Ao deixar que o medo ocupasse o primeiro lugar em seus interiores, os discípulos tornavam-se ansiosos e incapazes de crescerem diante das dificuldades. Nesse sentido, o medo era um sentimento potente experienciado nos corações dos discípulos. Esse sentimento empoderava o obstáculo, distanciando-os de Deus e não permitindo que enfrentassem a realidade.
Jesus, conhecedor da condição humana, percebendo que eles viviam marcados pelos medos que os impediam de viver, exortava: “não tenhais medo”. Durante toda sua vida, Jesus tinha a clareza de que os maiores medos eram alimentados pela religião, centralizadora de leis e geradora da angústia e da culpa. Os religiosos se comportavam como controladores da graça de Deus, manipulavam e impunham a imagem de um Deus castigador e controlador para não perderem a riqueza e o poder. Controlando consciências, os religiosos destruíam os planos do amor de Deus.
A expressão “não temas” pode ser encontrada muitas vezes nos textos da Sagrada Escritura. Deus sempre direcionava essa Palavra ao seu povo e aos seus escolhidos. Nas Escrituras do Antigo e do Novo Testamento, um convite-mandamento foi proclamado por Deus quando se manifestou a Abraão, a Moisés, aos profetas e a Maria. Jesus confirmando o desejo de Deus, afirmava que havia vindo para libertar o homem de qualquer medo. Ele dizia constantemente: “não tenhais medo”. O convite-mandamento de Deus revelava seu coração diante da obra de salvação.
No Evangelho de hoje encontramos três sérias recomendações de Jesus. Ele exortou seus discípulos sobre a maldade humana, sobre a proteção divina e sobre a destruição do corpo e da alma. Não tenhais medo porque vós valeis mais do que muitos pardais! Esse convite-mandamento é uma medicina do Espírito capaz de recuperar nosso valor e nossa autoestima. Descobrir que até nossos cabelos estão contados nos permite acreditar que nenhuma violência é capaz de nos privar do nosso único duradouro bem: a vida, dom de Deus.
Temer aquele que pode destruir o corpo e a alma é importante recomendação. Por vezes, pensamos que a destruição interior é resultado da presença maligna externa a nós. Longe dos espiritualismos gnósticos e frágeis devemos estar conscientes de que o mal a quem devemos temer é aquele que vem do nosso interior. Precisamos temer a nós mesmos, aos nossos medos e a nossa capacidade de realizarmos equivocadas escolhas. Nossos medos obrigam-nos a permanecer em situações ambíguas e em relações tóxicas. Da mesma forma, nossos traumas obrigam-nos escolher ideologias e valores que matam o corpo e ferem a alma tornando nossa caminhada pesada e sem sentido. Por vezes, o medo faz com que nos comportemos de modo vil, sendo injustos e usando de inverdades.
O Evangelho nos fala e nos ensina esta lição: temer a força que nos obriga escolher caminhos opostos aos do amor e aos de Cristo. Não devemos temer aqueles que matam o corpo, mas aqueles que matam a alma, ou seja, os sentimentos que fazem perder o sentido das coisas, a apreciação pela vida e a alegria de estarmos vivos. A perseguição, a incompreensão e a hostilidade são companheiras dos seguidores de Cristo que são frequentemente tentados a calar a esperança que habita seus corações e são tentados a permanecer em silêncio escondendo seus dons.
Não ter medo é ir contra tudo aquilo que sufoca os talentos, esvazia a vida e mata a criatividade. Livres do medo lutamos pela fé cristã e pelo Evangelho. Livres do medo somos capazes de encontrar a direção da vida trazendo o brilho do amor que nos habita.
Nem mesmo quando caímos Deus nos abandona. O cuidado de Deus e sua ternura nos acompanham e podem ser contemplados quando somos capazes de sentir o amor e a presença do Deus-Pai. Afinal, o verdadeiro pai sempre está disposto a caminhar ao lado de seu filho. Também, os discípulos, preciosos aos olhos de Deus mais do que os pardais e os cabelos da cabeça, eram protegidos quando, sem temor, tinham o desejo de avançar a caminhada.
De igual maneira, quando livres e incondicionalmente colocamos nossas vidas nas mãos do Criador, estamos Nele e com Ele, pois nossos sentimentos são sentidos pelo coração do Deus-Pai que nos protege caminhando conosco e nos dando esperança e força para prosseguirmos.
Hoje, somos convidados a romper com os mundanos paradigmas revestidos de religiosidade que nos dizem: “Deus é aquele que devemos ter medo”. Os controladores da fé manipulam a grandeza divina a fim de colocá-la a serviço de seus desejos autorreferenciais. Esses controladores colocam máscaras no rosto de Deus fazendo-O instrumento de poder e de controle. O primeiro “inimigo” de Deus é o medo, pois tira-nos da Sua presença fazendo-nos sentir indignos, desvalorizados e não merecedores. O medo é a maior ameaça à fé cristã, pois ele nos leva à dúvida sobre a misericórdia, sobre a proximidade e sobre continuidade da presença de Deus na história. Nesse sentido, o medo significa morte, pois ele é o oposto da fé. Deus não nos fez para a morte, mas para a vida. Ele quer vivamos em abundância, alegria e apreciação, pois Ele é o Deus da Vida.
Senhor, ajuda-me escolher sempre pelo bem maior e por aquilo que é libertador. Não permita com que meus medos me paralisem e nem façam morrer a esperança em mim. Tira-me dos medos que controlam os teus desejos e a tua ternura. Liberta-me para que eu consiga fazer mais em prol da fé cristã e do teu Evangelho. Ajuda-me avançar para ir ao encontro de teus planos de amor.
LFCM
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