Um novo recomeço
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 30 de abr. de 2022
- 5 min de leitura
O evangelho de hoje narra a terceira e última manifestação de Jesus aos seus discípulos. Essas manifestações ou encontros foram decisivos, pois o medo foi substituído pela coragem, o abandono pelo envio e os fugitivos se converteram em testemunhas de uma vida sem reservas. Embora essas manifestações não tenham os mesmos detalhes cronológicos e geográficos, todas foram construídas a partir da mesma estrutura, a fim de transparecer as características fundamentais da experiência com Jesus. Os fatos mais interessantes são a iniciativa do Ressuscitado – é Ele que se apresenta vivo e aparece –, o processo de seu reconhecimento para com os discípulos e a missão.
Esta última manifestação de Jesus aos seus seguidores aconteceu às margens do Mar da Galileia. Lá onde, segundo os sinóticos, ocorreu o chamado das duas duplas de irmãos: Pedro e André, Tiago e João. Narrando sobre o evento, o evangelista João fez questão de descrever que sete são os discípulos presentes. Eles representam a totalidade da comunidade primitiva e o sentimento que todos tinham após a morte de Jesus. Os dias eram difíceis para todos: muitas lembranças, amarguras e arrependimentos. Dias de cabeça baixa e de remorso, sobretudo, para Pedro. Mesmo que não duvidasse mais da ressurreição, seu coração não estava sereno e tranquilo por causa da negação. Era difícil ele perdoar a si mesmo. Sua negação lhe pesava como um ato imperdoável e inadmissível.
O início da narrativa descreve o momento mais forte. Após os fatos ocorridos durante a paixão, Pedro tomou a decisão: “Vou pescar”. À luz de uma construção teológica: "vou pescar” pode ser traduzida por “vou voltar à velha vida”. Os outros companheiros e amigos tomaram a mesma decisão: “também vamos contigo” (Jo 21,3). Depois do chamado de Jesus, Pedro tinha se transformado em “pescador de homens” (cf. Lc 5,4-11), não exercendo a pesca de peixes. Por isso, decidir pescar significava a decisão de voltar às práticas antigas. A tentativa de Pedro era de deixar a relação e a amizade com Jesus.
Embora o Cristo tenha anunciado o evento da cruz aos seus discípulos, eles não esperavam que a violência seria tão forte e o medo tão latente. Permanecendo de longe quando tudo acontecia, cresceu no coração deles um sentimento de frustração e de fracasso. Uns voltavam a pescar, outros retornavam para Emaús e outros ainda continuavam escondidos. A angústia do sofrimento, a decepção pela traição e o peso da negação era uma “pedra” difícil de ser removida em seus corações. A força do Ressuscitado ainda não rompia o medo, a amargura e a culpa.
Saindo para pescar, nada conseguiram pegar naquela noite. As frustrações e decepções permaneceram com eles ao retomarem a pesca, pois não sabiam mais pescar. Neste espaço de frustração e de fracasso, Jesus chegou. Na hora em que os discípulos tinham decidido voltar às atividades do passado, Ele apareceu no meio deles acolhendo-lhes o remorso e ensinando-lhes a superá-lo. Também, renovou a comunhão no ato de comer: “Moços, tendes alguma coisa para comer?”. A resposta dos discípulos foi seca: “não!” - não estamos mais com disposição para a comunhão, tivemos a nossa esperança frustrada e estamos cansados. Então, a voz sugeriu a mudança de posição: “Lançai a rede à direita da barca, e achareis”. Era preciso mudar a posição e a atitude. Era necessário olhar para o outro lado, buscar novos lugares, ver e pescar de maneira diferente, abrir-se à comunhão superando a rotina.
O discípulo amado reconheceu: É o Senhor! João reconheceu Jesus através dos gestos e das palavras. Ele O reconheceu porque não fugiu, soube permanecer até o fim, ao pé da cruz. Pedro não hesitando nenhum instante e, com seu entusiasmo repleto do desejo de estar com o Ressuscitado, imediatamente mergulhou na água para alcançá-Lo. Pedro pulou no mar para saber se não afundaria novamente como já havia acontecido. O reconhecimento do Mestre fez com que a solidão e a tristeza fossem findadas e tudo parecia ter um novo recomeço.
A presença do Ressuscitado foi transformadora: a luz venceu a escuridão, o trabalho tornou-se abundante e o cansaço transformou-se na certeza de que Ele estava vivo. A obscuridade do cansaço e a obstinação de fazer tudo igual é transformada com a orientação de Jesus: jogue a rede do outro lado. No mesmo barco e na mesma praia, o Senhor renovava o desejo da comunhão com seus discípulos através da superabundância de uma pesca. Essa superabundância remete a superabundância do vinho em Caná, a superabundância do pão na multiplicação e, sobretudo, a superabundância do amor de Deus que tanto amou o mundo dando-lhe seu Filho Único.
No retorno à margem, o evangelista narra que tudo tinha sido preparado pelo próprio Senhor: “Logo que pisaram a terra, viram brasas acesas, com peixe em cima, e pão. Jesus disse-lhes: Trazei alguns dos peixes que apanhastes”. A iniciativa e o milagre foram do Ressuscitado, mas a oferta foi fruto do trabalho dos discípulos. Desse modo, foi o Senhor quem suscitou um modo novo de amor e de ter fé Nele, mudando o próprio coração dos discípulos e tornando-os mais disponíveis para a doação e para o serviço.
A experiência pascal passa pela graça do encontro entre o Vivente e os seus através da conversão transformadora dos temerosos, egoístas e fugitivos discípulos em audaciosas, generosas e fiéis testemunhas.
Nenhuma palavra de reprovação, nenhum indício de condenação pelo retorno à pesca. Jesus não repreendeu, não acusou e nem pediu explicações. Um encontro cheio de ternura, humildade e misericórdia. Jesus voltou para aqueles que o abandonaram e, colocando-se a serviço, iniciou um novo processo de comunhão. Neste clima de amizade e simplicidade, realizou-se o maravilhoso diálogo entre Jesus e Pedro. Houve a necessidade de iniciar um novo caminho. Não havia interesse do Mestre no ato do negar, mas no ato de amar e continuar o seguimento. Nesse sentido, entendemos que o discipulado não consiste em nunca ter traído ou negado, mas na renovação da amizade e da fé em Cristo.
O chamado e o seguimento não devem ser apenas baseados na força de vontade e na intrepidez de conhecer algo novo, mas no sentir-se perdoado e acolhido. Este é o fundamento para refazer o caminho. Se no início Pedro acreditava ser capaz de seguir o Senhor com suas próprias forças, agora entendeu que seguir é deixar-se conduzir pelo amor. A ressurreição foi que o ajudou ressignificar, reler, reestruturar e reinterpretar seus dramas, crises, feridas e fracassos.
Portanto, é surpreendente a discreta aparição do Ressuscitado, o método utilizado por Ele para fazer-se próximo e os momentos da vida cotidiana em que visita seus discípulos. O encontro ou a manifestação revela-se maravilhosa. Nos momentos de decepção e de fracasso é forte a tentação de voltar ao passado. Há a nostalgia em fazer tudo como antes e a pensar como sempre. É a mesma tentação que o povo no Egito teve ao desejar retornar à escravidão na casa do Faraó. Esta é a tentação de Pedro e dos outros discípulos quando voltaram a pescar. É a nossa tentação quotidiana quando abandonamos todo o processo iniciado por algum pequeno fracasso. No nosso coração aninha-se a nostalgia do passado porque aparentemente mostra-se segura diante da liberdade concedida por Cristo. Entretanto, o mesmo Ressuscitado que preparou aquele encontro com seus discípulos, também prepara um encontro conosco renovando nossa esperança, curando nossos remorsos, removendo nossas culpas e trazendo comunhão em abundância.
Senhor Ressuscitado é muito forte em mim o desejo de voltar às coisas velhas. Faz-me ter coragem de mudar de posição e de atitude. Ensina-me olhar para o outro lado e buscar novos lugares. Conduze-me a ver e “pescar” de maneira diferente abrindo-me à comunhão fraterna. Cura-me as feridas da traição e o remorso da negação. Ensina-me Te amar de modo renovado servindo-Te generosamente.
LFCM.
Em lágrimas, minha gratidão ao Senhor por te ungir, nos trazendo esse texto forte e maravilhosamente tocante. Obrigada Frei. Paz e Bem.