Um Reino diferente
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 20 de nov. de 2021
- 4 min de leitura
Atualizado: 27 de nov. de 2021
A cena do Evangelho de hoje mostra um escárnio cruel feito com Cristo. Na narrativa de João observamos elementos que caracterizam a entronização de um imperador: a coroa, o manto vermelho e os gritos de aclamação. A entronização de um rei era um cerimonial comum e bem conhecido nos tempos antigos. Um prisioneiro, condenado a execução, era também vestido com insígnias reais e tratado como um imperador.
O Evangelho mostra um Cristo amarrado, insultado, acusado e levado diante das autoridades de Jerusalém. Contudo, o evangelista deseja descrever uma verdadeira epifania, porque quer revelar a realeza de Jesus, servo do Senhor e vítima inocente.
Pilatos era um homem possuidor de habilidades diplomáticas, cinismo político e desprezo pelo povo judeu e líderes religiosos. O seu conceito de poder é hedonista e manipulador. Ele consegue gerir o seu poder somente diante da fraqueza de um outro. Dessa forma, queria entregar Jesus ao julgamento dos outros para se livrar do medo de cometer erros. Ao mesmo tempo, sua pergunta visava apontar a acusação e revelava a sua perplexidade: “Tu és o rei dos judeus?”.
Com essa pergunta, Pilatos mostrava-se perplexo, pois tinha diante de si um solitário, desarmado, sem soldados para defendê-lo, abandonado pelos próprios amigos e esbofeteado. De fato, o “condenado” não parecia ser um tipo capaz de colocar em risco o poder de Roma. Diante do questionamento da "autoridade", Jesus responde com outra pergunta, na tentativa de obrigá-lo assumir suas responsabilidades: “Estás dizendo isto por ti mesmo ou outros te disseram isto de mim?”
Diante disso, Jesus ajuda Pilatos a compreender: “O meu reino não é deste mundo”. É a partir daqui que o tema da realeza de Cristo ganha vida. A resposta do “condenado”, nos permite inferir que Pilatos conhecia apenas os reinos deste mundo. Se alguém lhe falasse sobre qualquer reinado, ele imediatamente pensaria num imenso território de domínio, para o qual tudo era baseado no poder da ambição, na privação da liberdade, no uso da força e do dinheiro, no poder das armas e na quantidade de soldados submissos prontos a obedecer qualquer ordem. Os reinos deste mundo são marcados por domínios, privações e coerções. Com isso, o poder deste mundo ao “matar” os outros, torna-se mais forte e potente.
O Reino de Jesus nada tinha em comum com os reinos conhecidos por Pilatos. Jesus é um "Rei diferente" porque não tem o poder mundano e a glória dos reis da terra. Ele é portador da vida, não da morte. Afinal, é Ele é quem iria morrer. Ele era obediente, não se aliava aos grandes e poderosos e não comandava os outros. Jesus é o homem comprometido, tem a coragem da verdade e não esconde sua identidade. Colocava-se ao lado dos excluídos e daqueles que “valiam pouco”.
O Reino em Jesus não é domínio, mas serviço. É paz, misericórdia, justiça e não pode ser compreendido a partir dos poderes e reinos deste mundo. De fato, o Reino a partir de Jesus não se realizava com revolta, violência, força do dinheiro, poder das armas e falsas narrativas.
Jesus quer fazer compreender que acima do poder político há outro muito maior, que não se obtém com meios humanos. A vida de Jesus evidencia que Ele não tinha ambições partidárias. Por exemplo, depois da multiplicação dos pães, o povo entusiasmado pelo milagre, O proclamava como um rei a fim de derrubar o poder romano e restabelecer um novo reino em Israel. Entretanto, Jesus retira-se e permanece sozinho para rezar.
Na mentalidade mundana possuir, conquistar, exterminar são sinais de força e de sucesso, porém para Jesus são indicadores de fraqueza e derrota. Para Ele, grande é aquele que serve. Temos grande dificuldade de aceitar um rei que se faz servo dos mais pequeninos, no entanto, para Cristo reinar é servir.
A lógica do reinado de Jesus difere da mundana e da lógica de Pilatos porque ainda recusa toda e qualquer forma de violência absolutista: “Se o meu reino fosse deste mundo, os meus guardas lutariam para que eu não fosse entregue aos judeus. Mas o meu reino não é daqui”. Pilatos não entendia do que Jesus estava falando e fez uma pergunta genérica: “Então tu és rei?”. Jesus entendeu que Pilatos estava cheio de si para realmente ouví-lo: “Tu o dizes!”.
A boa notícia é que “Deus é todo-poderoso no ato de dar a vida e humanizar-se“. Seu primeiro trono foi a Manjedoura, numa estrebaria com animais, quando humanizou-se fazendo-se carne para habitar no meio de nós. O seu último trono foi a Cruz, no meio dos pecadores, quando deu a vida para nos salvar e nos fazer co-herdeiros da salvação.
Senhor, o teu reino é um reino diferente. No teu reino a justiça e a paz se abraçam, o serviço e a misericórdia se completam, a caridade e a verdade se entrelaçam. Ajuda-me a ser um homem comprometido, veraz, responsável por minhas ações e coerente com a minha identidade. Quero renunciar às lógicas mundanas. Ensina-me a dar vida no serviço, testemunho na verdade, a não possuir projetos de morte e a abrir caminhos de liberdade, cura e salvação.
LFCM
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